Caminhões: Quem vai liderar a mudança?
A crise no mercado de caminhões no país não pode ser considerada surpresa absoluta, pois havia sinais de esgotamento da forma como operava. E, fazendo uma breve busca em análises elaboradas por mim no passado recente, peço licença a você, caro leitor, para republicar um texto (com algumas atualizações).
O conteúdo equivale a um artigo que escrevi para o portal do Sincodiv-SP (www.sincodiv.org.br) no final de 2013, abordando o quadro do crédito para caminhões no Brasil.
O objetivo, agora, ao retomar o assunto, é destacar a oportunidade do setor automotivo (montadoras, bancos e distribuidores de caminhões) ocupar o vácuo da falta de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ser ator principal, como ocorre no exterior, na oferta de crédito para vendas dos produtos, superando os problemas da dependência governamental.
Além disso, como verá que houve tempo de sobra para a preparação para a crise que vivemos hoje, pois a tendência foi antecipada sob várias formas, em diversos momentos de nosso recente passado.
Por outro lado, destaco que quem projetar o futuro a partir dela (a crise) poderá se surpreender de novo, significando o mesmo que dirigir um caminhão olhando somente para o retrovisor.
Segue o texto, então, publicado há dois anos, seguido de comentários para sua melhor contextualização com os dias de hoje...
"Em setembro (de 2013) afirmei que um desafio a ser superado para sustentar o crescimento do mercado de caminhões no médio prazo equivale à criação de alternativas competitivas de linhas de financiamento aos tradicionais recursos provenientes do BNDES. É "assustador" pensar no grau de dependência e risco de todo o setor de uma única fonte de crédito governamental. Sendo assim, aumenta a importância de se haver bancos especializados, vocacionados para o atendimento ao setor, e vinculados às montadoras."
Dois meses depois, o sr. Guido Mantega (então ministro da Fazenda) informou que haveria redução de 20% nos volumes de financiamento via BNDES para 2014 por motivos conhecidos por todos: limitações de recursos do governo federal e, principalmente, incapacidade fiscal para continuar subsidiando as taxas de juros ao segmento.
Na ocasião, afirmei que:
a) o impacto desta redução representaria 15% de redução das vendas sobre 2013. E, na realidade, a queda acabou sendo de 11,23%!
b) a mensagem do ministro, na época, indicava ao mercado a necessidade de os envolvidos na indústria de caminhões encontrarem alternativas de “funding” e financiamento para sustentar os planos de crescimento no médio e no longo prazos.
c) o governo teria que dar o primeiro passo, começando pela redução da distância entre custo do crédito - fortemente subsidiado - do produto do BNDES às linhas do mercado e atuando sobre a legislação para retomar a força competitiva do leasing, que é muito utilizado para aquisições de bens de investimento no exterior. (E, o então ministro realmente aumentou as taxas do PSI em 2014, mas em função da alta da SELIC, a taxa básica de juros, o subsídio real ficou até maior.)
d) O governo deveria iniciar o processo gradual de desmonte, retornando às taxas de juros aos níveis anteriores aos estímulos do PSI e, assim, criar um plano gradual de limitação, como no passado, da parcela do financiamento total. A consequência seria o BNDES retornar à participação histórica de cerca de 50% do total emprestado pelo menos até o final desta década (2020).
e) O desafio seria dosar este gradualismo num momento em que, em função da alta da inflação, o Banco Central está aumentando a taxa de juros e o apetite de concessão dos bancos ainda é pequeno, mas o processo é fundamental - e inadiável!
f) Nesse processo de criação de produtos alternativos, fará muita diferença a atuação dos bancos de montadoras que se mostraram, até hoje, essenciais, principalmente nos períodos de crise (desde 2008), para fortalecer as marcas que possuem estrutura dedicada e focadas 100% nas ações do negócio de caminhões.
g) O início do desmonte dos subsídios estimulará também as marcas que estão chegando a criar linhas internacionais de crédito para suportar seus planos de vendas em níveis de competitividade atraentes, o que é impossível atualmente dada a vinculação, por exemplo, entre financiamento do BNDES e critério baseado no conteúdo de produção local.
h) Por consequência, recomendei, nos idos de 2013, aos distribuidores de caminhões muita cautela e atenção nos planos de negócio dos próximos 2 anos (2014 e 2015), quando, em função dos ajustes necessários na política econômica, era de se esperar oscilações importantes em fatores que afetariam as políticas de crédito dos bancos como: inflação e juros.